ÁLBUM

Vasco Araújo, 2008

 “Álbum”, de Vasco Araújo, é uma grande mesa de jantar com treze álbuns de fotografias incrustados. A mesa impõe-se pelo seu desenho pesado e ostensivo. Nova e luzidia, mas afirmando um gosto anacrónico, numa sobranceria inabalável, indiferente a qualquer influência de modernidade. O facto de nos surgir, assim, nova e não com a patine dos objectos herdados, reforça a intencionalidade da recusa de modernidade, onde mesmo o novo é velho numa total recusa de mudança.
A sua dimensão remete para o sentido de família, ampliando o núcleo familiar à presença de várias gerações. E, nesta mesa de jantar, incrustados no seu tampo, os treze álbuns de fotografias jazem ali, mas ali também vivem, na coincidência entre o espaço da memória e o espaço do quotidiano.
Treze álbuns como treze apóstolos? Dificilmente veríamos aqui uma outra representação da Última Ceia, mas não será meramente acidental a possibilidade da sua evocação. Nos diferentes jogos conceptuais para que esta mesa remete, a inevitável evocação da Última Ceia introduz outro factor de quebra com o quotidiano de uma mesa de jantar. E, à semelhança de Cristo e dos apóstolos, faz-nos pensar na ideia de indivíduo, como tal ou como parte de um grupo. E, ao mesmo tempo, remete a ideia de refeição para uma dimensão ritualista, para além da sobrevivência e do convívio quotidiano.
Aqui, a ideia de família entranha-se na mesa, mas também na identidade. Na identidade como espaço de relação com o outro, começando, logo aqui, com os outros que, sendo família, são um pouco de nós, que nos pertencem, mas aos quais nós também pertencemos. Somos, mas não somos em livre arbítrio, nas teias das relações que estabelecemos com aqueles que pertencem à nossa própria identidade.
A estes álbuns foram retiradas as fotografias mas, junto ao lugar onde cada fotografia deveria estar, permanece uma legenda, auxiliar da memória e, ao mesmo tempo, projectando o instante, cada presente, no futuro, na relação entre as memórias individuais e as memórias de uma família.
Alguém terá retirado aquelas fotografias, por isso não podemos deixar de sentir a violência desse acto, de sentir a possibilidade de um acto que terá apagado, irremediavelmente, uma memória que se deveria preservar. E, na estreita relação entre identidade individual e família, mesmo que na procura de afirmação de uma identidade, este acto surge como algo doloroso. Ou será esta ausência a representação dos limites da memória, da dolorosa percepção da vitória do esquecimento.
De cada indivíduo da família, restará sobretudo a mesa, e aqueles álbuns onde as fotos desapareceram. Terão desaparecido mesmo, ou será o esquecimento que as terá feito desaparecer? A possibilidade de podermos comprar álbuns de família em antiquários, mostra como o tempo poderá fazer esquecer o que outrora terão sido laços de afectividade.O título desta peça é álbum, álbum no singular, remetendo para a ideia genérica de álbum e não propriamente de álbuns. Assim, álbum será o resultante da relação entre todos os elementos desta peça: mesa, álbuns, ausência de fotografias… De certa forma, é como se esta ausência de fotografias transformasse o particular em universal. Não propriamente aqueles álbuns mas a ideia de álbum, o conceito de álbum.  

 

António Olaio