WIE schön UND GROSS (quão bela e grande)

Gonçalo Pena, 2008

O Espaço de Fabricação de Alegorias.

Segundo o dicionário ilustrado Lello Universal a alegoria (do latim allegoria) é uma ficção, um apólogo, parábola que apresenta um objecto de modo a sugerir a ideia de outro. A alegoria é uma contínua metáfora, um discurso apresentado se uma forma linear e clara mas que através da comparação transmite outro discurso que está oculto, ou seja: a alegoria diz uma coisa e significa outra.
A pintura de Gonçalo Pena é toda ela uma fabricação que coisas não ditas, de ficções habitadas por mulheres/musas, soldados fardados e glamorosos, prontos para o baile de gala, seres lowbrow aparentados com as personagens do filme “Freaks” de Tod Browning, paisagens de possíveis édenes, olimpos e infernos envolvidos numa atmosfera de pathos helenístico como se tratasse de uma camada de verniz.
“Quão Bela e Grande”, apocalíptica e como o título sugere, de grande escala, tem no seu centro, uma arena, dois homens a serem devorados por um tigre e por um leopardo. Um deles, idoso, barba e cabelo grisalho, envolto numa túnica aponta com o indicador para cima, tal como a figura de Sócrates em “La Mort de Socrates” de Jacques-Louis David. Enquanto estes dois homens são devorados pelas feras, um homem (parecido com o Fidel Castro) fardado como os exércitos oitocentistas mata outro à facada. Em posição de observação privilegiada estão dois rapazinhos abraçados, sentados numa cerca de jardim, mas em vez de olhar em frente para a cena trágica da morte do mestre e do homicídio olham para uma mulher/guerreira, talvez a deusa Atena, em roupa interior azul à moda setecentista ou oitocentista e de collants modernos, pretos opacos com uma hipotética lagosta esticada à cintura. Na parte inferior da pintura situam-se outros dois jovens/crianças, uma rapariga de vestido vermelho sem costas está sentada a velar o sono de um Gulliver e outro de pé numa posição clássica dos modelos de nu de desenho das Belas-Artes, semelhante à pose de “David” de Miguel Ângelo, olha-nos.

As metáforas de Pena são entrelaçadas de elementos míticos, citações iconográficas da história da arte, representações simbólicas, umas reconhecíveis outras nem por isso que conduzem a uma leitura descontínua e sem nexo de prováveis alegorias. Para Walter Benjamin (A Origem do Drama Trágico Alemão), as alegorias estão para o reino do pensamento como as ruínas estão para o reino das coisas. Neste reino de fabricação de alegorias contemporâneas de Gonçalo Pena tudo se passa ao contrário como estivéssemos no outro lado do espelho – ao invés do conceito de alegoria sem lugar para a dúvida, onde o leitor/espectador não tem permissão para assumir uma atitude de escolha, sendo a construção da alegoria controlada de modo a ser interpretada sempre da mesma maneira – a dúvida existe e é solicitado ao leitor/espectador soluções interpretativas, desconstruindo as ruínas de Benjamin e formando outras novas. A alegoria não é veículo de manipulação do pensamento e da acção, do acabado, mas da sua impossibilidade. O leitor/espectador tem a hipótese de decifrar, assumir a escolha e de interpretar o emaranhado alegórico em contínuo e sempre inacabado. E é aqui que reside o punctum da pintura de Gonçalo Pena: a alegoria como inacabado. Uma Pintura Texto.

Alice Geirinhas