CONTA-ME COISAS

Cristina Mateus, 2007

A princípio, era só um conjunto de molduras praticamente sem nada alinhadas na parede. Uma pausa para ler as poucas palavras apresentadas e eis que o branco se revela numa paleta de cores. O que era mudo ecoa em muitas vozes. O nada agora tem bocas, olhos e narizes.

Estas obras da artista Cristina Mateus, que ela assume como desenhos, são, no mínimo, um convite ao diálogo.

Como obra de arte, não há como parar no primeiro nível interpretativo, aquele que nos permite apenas observar a descrição da obra, segundo a definição de Panofsky. É preciso fazer parte dela.

A obra exibida em 2015 no Colégio das Artes, em Coimbra, durante a exposição Homeless Monalisa, composta por nove molduras com rectângulos de papel branco com frases desenhadas na parte inferior sugere um – ou vários – relacionamento com encontros e desencontros, num jogo de frases curtas e livres que não necessariamente se ligam, que não formam uma enumeração, uma narrativa, mas que possuem uma certa dependência e estão carregadas de um discurso polifónico.

Cada observador poderá reler a obra, preencher os espaços vazios, numa leitura muito individual e íntima, onde suas impressões de mundo, sua cosmovisão e suas próprias histórias serão reflectidas, até mesmo literalmente, nos vidros daquelas molduras. É o retrato do universo feminino, que, muitas vezes, exteriormente parece clean, assim como aqueles “desenhos”, mas que esconde uma trama complexa, cheia de anseios, sonhos, desejos, sexualidade, angústias e decepções, além de uma gama de sentimentos.

O título Conta-me coisas já é bastante sugestivo e faz uma ponte entre a arte plástica e a literatura ao sugerir uma narrativa que é negada pela artista mas que se faz silenciosamente ao observarmos os “desenhos”. Num estilo rápido e solto, com ideias truncadas, e que atinge um efeito de grande dinamismo, Cristina Mateus nos faz lembrar de Mário de Andrade, que em 1922, em sua Paulicéia Desvairada[i], buscava uma expressão nova. Em seu Prefácio Interessantíssimo, o escritor brasileiro declara que seu copo é grande demais, e ainda bebe no copo dos outros. Em outras palavras, Cristina Mateus, nos espaços finitos destes seus “desenhos”, talvez tenha buscado em outros olhares, em outras histórias, um complemento, um alento, um ombro amigo para um diálogo infinito. Voltando ao poeta Mário de Andrade, é a tal da polifonia poética, a busca do que nos agrada, daquilo que nos preenche, mas – não nos iludamos! – que, num instante seguinte, outro virá e destruirá tudo o que construímos.

 

[i] ANDRADE, Mario de. De Paulicéia Desvairada a Café (Poesias Completas). São Paulo: Círculo do Livro, 1986.

 

Carin Bento