JEDERMANN SEIN EIGNER FUSSBALL

 João Fonte Santa, 2007

Jedermann sein eigner Fussball  (Todo o homem tem o seu próprio futebol), é o nome de uma revista do dadaísmo berlinense altamente ilustrada com fotomontagens de John Heartfield e desenhos de George Grosz, entre outros, confiscada e retirada do mercado logo após a sua distribuição a 15 de Fevereiro de 1917. Kabul e M16 de João Fonte Santa (Évora,1965) são os desenhos não publicados na Jedermann sein eigner Fussball.

Kabul, 18 de Fevereiro de 2007.

 

Há um palácio em ruínas ao fundo, uns rapazes jogam à bola num descampado, olhando com mais atenção o rapaz da esquerda é afinal um homem com bigode e todos os outros jogadores mesmo os sem cara passam de rapazes a homens.
O palácio neo-clássico em ruínas é o Palácio Darul Aman Palace ( palácio da Paz) em Kabul, bombardeado e os homens de bigode, afegãos.
A cidade contemporânea é um lugar heterogéneo onde se estabelecem e assentam as relações entre as pessoas,  as coisas , os lugares, onde o acto de intervir se reinventa e  se cola ao ritmo do quotidiano urbano -— como este jogo de futebol desenhado a preto e branco situado num cenário de guerra — é o espaço vivido por aqueles homens que pela proximidade da experiência ( a sua vivência ) o alteram e deslocam-no para o conceito de espaço social, ou seja, a possibilidade de construir um espaço diferencial que reivindica o heterogéneo e o uso e que transforma este espaço de destruição em espaço de diversão.
Essa desconstrução  do espaço é também visível (e risível q.b.) no outro trabalho de JFS, M16. Mulheres soldados em fato de banho/lingerie  com metralhadoras ao ombro, apanham banhos de sol na piscina do palácio de Saddam Hussein, Bagdad, usado como quartel pelo exercito americano. Ao  fundo a cidade que não é turística, apesar da sensualidade dos corpos, apesar dos bronzeadores e dos corpos estendidos a apanharem sol. E como sabemos que não é a representação de um lugar de veraneio? Primeiro pela mulher que carrega uma metralhadora, segundo, pelo título da peça, M16 que especifica o modelo da arma. O detalhe da piscina pertencer ao palácio do ex-presidente Saddam Hussein— cujo vídeo da sua execução pode ser visto no YouTube — é isso mesmo, um detalhe que acrescenta o riso a esta questão do espaço e relembra outros exemplos famosos na história da arte, como o Partenon usado pelos turcos como depósito de armas,  e uma citação de António Olaio ( que pediu expressamente um texto sem citações) do texto que enviou para introduzir este projecto, “A relação indivíduo/espaço na arte portuguesa” quando remete para a premissa duchampiana que o “espectador faz a obra”.
Ambos os trabalhos integraram a exposição individual de JFS na VPFCREAM ARTE, 28 de Setembro a 3 de Novembro de 2007, cujo título, Todos os dias a mesma coisa- carro- trabalho- comer- trabalho- carro- sofá-tv-dormir-carro-trabalho-até quando vais aguentar?- Um em cada dez enlouquece- um em cada cinco rebenta, é uma apropriação de um  graffiti escrito numa parede da estação de metro Ladbroke Grove, Londres, pelos King Mob, um  grupo de artistas radicais do anos 70. De apropriação em apropriação, os desenhos (de)formações/ (trans)formações de imagens publicadas nos medias impressos, João Fonte Santa constrói, teimosamente, narrativas em simultaneidade, colando-as à nossa modernidade que se caracteriza pela ausência de narratividade, de ideologia, como lembrou o filósofo José Gil, ontem, 2 de Julho de 2009, em entrevista a Mário Crespo, na SIC Notícias.

Alice Geirinhas