PISO ZERO
Pedro Calapez, 2005
O desenho de “Piso zero” de Pedro Calapez resulta da projecção das 3 plantas do projecto do Centro Galego de Álvaro Siza num só plano. Sendo, inequivocamente, pintura, a horizontalidade desta obra evoca a sua origem enquanto planta arquitectónica e, na sobreposição dos desenhos das plantas, cria uma malha mais apertada, mais complexa, na simultaneidade dos diferentes espaços, na ideia de síntese de um desenho arquitectónico, no sentido unitário de um conceito.
A sua horizontalidade reafirma as superfícies/suporte enquanto receptáculo para a tinta, na afirmação do pictórico pela sua materialidade, no diálogo entre o concretismo da matéria pictórica e a sua plasticidade sensorial.
A sua materialidade sugere que estamos aqui perante algo que, mais do que imagem, é objecto, evidenciando a ideia de que os três pisos deste edifício se compactaram num só, como se de um facto se tratasse. Por outro lado, na bidimensionalidade da pintura, na manifesta evocação da pintura, também reforça a ideia da compactação de vários extractos numa superfície, evocando simultaneamente a imaterialidade de uma imagem.
E, na imaterialidade da imagem, numa superfície que é imagem, no sentido evocatório de uma imagem, esta expande-se no espaço, nos campos de possibilidades que as múltiplas leituras abrem.
E, enquanto superfície resultante da compactação dos espaços, contém em si o próprio espaço. numa ideia de pintura enquanto rebatimento da realidade num plano.
Os fragmentos obtidos pela complexidade do desenho resultante das três plantas sobrepostas apresentam-se aqui como superfícies que são receptáculo para a cor, numa ideia de pintura que se assume ela própria como paleta, ultrapassando a sua condição de resultado e apresentando-se, assim, paleta, como ponto de partida para imagens indeterminadas num curto-circuito entre a matéria pictórica enquanto coisa e enquanto agente da produção de imagem.
No expectável sentido metafórico da pintura, estas várias camadas de espaço na superfície pictórica induzem ao sentido da simultaneidade de várias realidades paralelas.
Aqui, sendo plantas de arquitectura, nestes layers compactados, tornam-se simultâneas as várias possibilidades de organização do espaço. E, sendo plantas de arquitectura, na ideia de escala, estes espaços apresentam-se também como espaços de mobilidade, evocam a nossa presença, que a pintura aqui exclui, mas exclui-a de uma forma que, ao mesmo tempo, a exponencia. Estes três pisos que se fundem na condição de um piso zero, surgem como base de um número indeterminado de andares, um zero como ponto de partida, na estreita relação entre o nada e o absoluto.
António Olaio