IGREJA DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS
Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas, 1970
No dia 25 de Fevereiro de 2014, estreou no auditório da Casa das Artes do Porto o filme “Sagrado”, um documentário realizado pelo arquiteto Nuno Grande que regista um raro encontro entre os arquitetos Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas na Igreja que os mesmos projetaram: a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, entre as Rua de Santa Marta e Rua Camilo Castelo Branco em Lisboa. A banda sonora que acompanha este testemunho único na sua função e formato foi composta e interpretada por mim.
Visitei a Igreja do Sagrado Coração de Jesus pela primeira vez em 2012, durante uma estadia profissional em Lisboa e observei atentamente algumas características e pormenores deste magnifico edifício. Partilho neste texto algumas dessa importantes especificidades sobre o projeto e a sua concretização, descortinados durante a minha investigação para a composição da banda sonora.
Descobri, por exemplo, que a reverberação da ampla nave central (a igreja não tem naves laterais) permitia o prolongamento do som por mais de um segundo. Nuno Portas confidenciou-me durante uma conversa que a igreja foi, na realidade, pensada para albergar concertos. O órgão majestoso sentado na ponta superior do balcão esquerdo (para quem visualiza a nave central a partir da parede encostada à porta principal) suscita a vontade de realizar recitais com este instrumento. Além disso, a amplitude do próprio espaço, tanto em comprimento, altura e largura (a altura imponente foi a resposta encontrada para colmatar a escassez de largura do terreno) sugere a interpretação de grande obras religiosas geralmente orquestradas por ensambles numerosos (coro com orquestra, por exemplo).
Também vale a pena evidenciar os diversos padrões que percorrem as paredes da igreja ou que desenham os candeeiros imaginados pelo arquiteto de interiores José Maria Torre do Vale. Curiosamente o Padrão 2 ocupa apenas um terço das paredes enquanto o Padrão 1 completa o espaço restante.
Um outro aspecto relevante é o eixo central do edifício que, ao contrário do habitual, se desenvolve diagonalmente. Ao estar na diagonal, entre a porta principal e o vértice superior esquerdo da planta, este eixo divisor do espaço em duas metades gera uma atraente assimetria estrutural. Além disso, os balcões que invadem o interior da igreja, estão um pouco acima do chão, correspondendo ao terço de cada parede revestido pelo Padrão 2. Ou seja, a igreja tem duas metades verticais dissemelhantes.
Todos estes elementos que caracterizam este monumento nacional, vencedor do prémio Valmor em ex-aqueo com a Fundação Calouste Gulbenkian, comprovam no meu entender alguns dos princípios que alimentaram esteticamente e, acima de tudo, filosoficamente o MRAR (movimento de renovação da arte religiosa) fundado, entre outros, por Nuno Teotónio Pereira. Prova disso é, por exemplo, a cripta desta igreja, um lugar anexo à nave central (no andar inferior), que reúne num só local todas as capelas de reza particular. Ou então a localização do edifício, situado na rua, no centro de Lisboa. O centro da igreja representa, neste caso, um “centro cívico”. O acesso ao espaço religioso está mais próximo da população, porém, é mais custoso visto que para o alcançar é obrigatório subir várias escadas.
Sendo um defensor da comunhão entre crenças, da comunicação espiritual entre povos e culturas diferentes, Teotónio Pereira provoca, através da sua arquitetura uma alternativa positiva e autêntica: a superação por parte do humano do seu estado comum. Ou seja, a igreja ultrapassa a mera dimensão de “casa de Deus” e motiva os fiéis a abandonar o seu quotidiano para acalentar sonhos e desejos mais eternos e genuínos.
José Valente
Agradecimento especial a Nuno Grande pela generosidade.
Links: www.josevalente.com
(para ouvir a banda sonora) https://josevalente.bandcamp.com/album/sagrado-banda-sonora