Heading West

António Olaio, 2015

Heading West (…and keeps on going)

O trabalho de António Olaio revelou sempre um inconformismo pautado por uma postura descomprometida na sua relação com as artes visuais.
Para este artista, a performance, a pintura, o vídeo e a música são áreas comuns em que o acto de fazer, pintar, compor, expor-se, constitui um lugar de troca de mensagens e de inversão de sentido, onde a palavra, na sua oralidade cantada ou inscrita sobre outros suportes, com particular incidência na pintura, ganha uma força poética e por vezes desconcertante entre a ironia e a sua relação com o cliché que o artista sabe encontrar na correspondência com a realidade.
“Heading West”, a exposição que apresenta no espaço da galeria Appleton Square, é exemplar das possibilidades que a sua capacidade virtuosa evidencia ao transitar por universos aparentemente próximos dessa ideia de realidade que tem como linha de horizonte. Mas António Olaio é um artista que nos arrasta para zonas de fronteira, sejam estas próximas dessa tónica sobre o real, aparentemente mais imediata nas pinturas e mais distante no vídeo que apresenta na segunda sala da galeria. Nas pinturas, marcadas por uma paleta entre cinzentos e negros, podemos ver figuras de jovens (eventualmente captadas por entre o universo dos seus alunos) elevadas por pedestais que são ao mesmo tempo a projecção da sua sombra, mas onde não reconhecemos qualquer expressão facial porque a figura ultrapassa propositadamente a dimensão do suporte e em nenhuma delas podemos ver a cabeça. Não são figuras decapitadas, mas personagens que encarnam essa deriva que “Heading West” nos transmite. Deriva do pensamento e da imaginação que se solta da corporalidade e da presença do olhar numa poética que se liberta em direcções diversas, e que é acentuada no diálogo visual que essas pinturas constroem com as palavras da letra da música e com as frases instaladas sobre a parede da galeria. O vídeo, em que interpreta a música composta com João Taborda, seu compagnon de route das andanças musicais, reconduz-nos ao paradoxo do retrato, que também aqui excede o formato da projecção. Um enorme close-up sobre um rosto que identificamos através de pequenos detalhes, numa ampliação extrema, como sendo o do próprio artista, é também revelado pelas suas qualidades vocais e pela presença de uma sonoridade rock em que a guitarra preenche o corpo que se esconde para lá do enquadramento, deixando as palavras soltas no espaço da galeria que nos dão o guião dessa deriva: “feeling the southern breeze on her cheek”. Olaio regressa nesta exposição ao seu universo amplificado, cruzando referências e modos de fazer que, não parecendo, recombinam estratégias pop e pós-conceptuais numa atitude irreverente mas consciente de que a prática artística não se resume a um estilo ou a uma filiação. É um compromisso sério em que a liberdade segue a poética. Mesmo quando esta desvela um lado risível e quase caricatural que opera sobre os dias que correm, nessa deriva.
 

João Silvério
Fevereiro 2015