Biscoito Arte
Regina Silveira, 1976
Uma vez ouvi: o óbvio não é aquilo que não precisa ser dito e sim o que não deve ser esquecido. Tomo a liberdade de esquecer o óbvio, mesmo ao dizê-lo.
Biscoito, vem do latim biscoctus, que significa: cozido duas vezes. Arte, também do latim ars, artis, significa: maneira de ser e agir, habilidade adquirida. Uma mulher e um biscoito: arte. Ato de cozinhar: habilidade. O espaço: o privado, o doméstico. O feminino: o saber fazer, a maternidade. Representação? É o que é e é o que não é. Um mundo verdadeiro das coisas inventadas. Apenas idealizações aceitas de, para e sobre as mulheres.
Preferi ir por outro caminho.
Qualquer “arte” é também um objeto antropofágico. Antropofagia? É partilha, é consumo, é apropriação. Qualquer “arte” é também um exercício narcisista. Narcisismo? É imagem, é desejo, é unicidade. Comer a arte seria um ato tanto antropofágico como narcisista? Quem come? Quem é comido? O que digerimos? O que expurgamos? Uma mistura de referências, um cardápio pronto para ser devorado. Ou não. As soluções são múltiplas. Entretanto, qual a função poética entre a mediação objeto e exercício?
O biscoito é apetitoso ao observador, assim como a arte é, por vezes. Está disposto num prato, acompanhado de garfo, faca e colher. São os recursos necessários, conforme as normas. É preciso repertório. Pegar com a mão não é civilizado. Enquadramento! Entretanto, é isso que a artista faz. Ele pega o biscoito arte e leva-o até a boca, como um ritual. Magia? Experimentalismo! O objeto é produto da cultura. O exercício é apropriação. Antropofagia! A arte já foi uma alegoria da imitação, agora é a alegoria da própria realidade. Ready made? Conceito! Ultrapassamos a questão da forma.
A universalidade como lugar singular/plural da experimentação.
Biscoito.
Arte.
Vera Araújo