BLACKOUT 413
Rita Barros, 2003
Sobre um céfalo cinemático que me aponta a caverna de Platão num prédio de propriedade horizontal; ou uma pálpebra imóvel recomenda alguma atitude. Os dedos do olho engarrafado interrogam os cantos de luz e sombra deste lugar nenhum onde a vida se reacende sem acordar, onde por segundos passam em fuga para as respectivas tocas os seus vizinhos; cheira-os hora por hora quase encostados à sua vigília de lâmpada acesa; já estão ausentes estes alpinistas que soluçam como um castigo por estes degraus acima e abaixo. O rosto envidraçado desta porta fotografa a sombra vazia que deixaram; cheira-os com os braços-lâminas do seu casulo, entrelaça-se na tempestade de linhas mudas que sai dos seus rastos. Eu, espectador do olho que vê mas que não se pode voltar para trás estou separado deste corredor vivente, de pessoas que ainda estão a chegar ou já partiram. Talvez uma rua interior vertical que se desce de manhã e se sobe à tarde, uma escarpa solitária feita de linhas verticais e com número de polícia, sim, imagino que a porta do outro lado também vê; talvez veja uma cabeça ofegante carregando limalhas do resto do dia, os sacos-halteres das fatídicas compras, as hesitações de miúdos recalcitrantes que se arrastam, que se escurecem nos ângulos perfeitos dos degraus pisados; um vulto desdobrando as contas desgrenhadas da dívida eterna dos cidadãos à energia (monetária, gasiforme, eléctrica, internautica) e aos seus donos, uma carta miserável de um simpático miserável prometendo prodígios insossos ao coleccionador de créditos , um postal-abraço comedido de um pai ferrugento; a cabeça infatigável riposta ao “maldito construtor que se livrou do elevador!” augurando-lhe uma morte exangue; Mas sou Eu, quem escreve, não vejo nada, imagino, mas permitam-me, crédulos comedores de hieróglifos, ser convergente com esta imagem focada nas desentranhas de uma gruta aérea; gravo em palavras decepcionantes a ocularidade que deseja ser nómada, arrefecer-se na pulsação da cidade mas não pode escapar-se à cortina que o prende pois não é um relógio de pulso ou a lente bifocal de olhos vagueantes, é um coisa fixa sem horário fixo que guarda os minutos sem história deste patamar.
Pedro Pousada