negra < luz > branca

Zalinda Cartaxo, 2022

NA CLAUSURA, TODA FRESTA É AR, RESPIRO, LUZ…

 

Sonia Salcedo del Castillo

 

“13h10, Travessa Oriente 16 A”: eis as coordenadas de negra<luz>branca, instalação de Zalinda Cartaxo para a Vitrine Pandêmica V, no Estudio Dezenove, Santa Teresa – Rio de Janeiro.

Nela, há uma fatia de sombra ou um simples pedaço de alegria-luz que se faz pintura. Pintura liminal… pintura de um tempo em suspensão, qual experimentamos no recente processo pandêmico.

As coordenadas acima indicam tanto subjetividades experienciadas durante o isolamento, quanto vontade poética de aprofundar questões pictóricas. A partir de estruturas arquiteturais, às quais a luz é “angular”, Zalinda explora a geometrização da luminosidade solar projetada nessa espécie de “caixa perspéctica”, vitrine, para tomar um espaço-tempo qualquer, feito pintura fugidia…

Da ideia de écran e/ou tela como modus operandi do olhar tão virtualizado nos dias recentes, Cartaxo individualiza a fruição do observador, em oposição a percepção coletiva e fugaz, característica das vitrines; e questiona o ilusionismo, por meio da dualidade do aparato virtual, enquanto artifício a percepções do real.

Ao ativar seu dispositivo virtual (smartphone) no modo inversão de cores, o fruidor experimenta deslimites espaciais: o negro se torna branco e este, negro. Fantasmagorizada, sua noção de real se desfaz em negativo.

A vitrine deixa de ser uma espécie de palco branco, para se tornar um vazio, infinito, abismal, à maneira barroca… Através de estratégias espaciais, a artista equaliza conceitos clássicos e barrocos, oferecendo-nos um espaço conjuntivo de múltiplos intervalos: construídos (arquitetura), imagéticos (luz) e imaginados (poesia).

Em negra<luz>branca, um campo distendido da pintura parece reverberar o indizível. Algo dessa ordem nos é sugerido no interior daquela vitrine a interpolar deslimites espacias de ângulos, nuances, matizes, espessuras, texturas e, sobretudo, gradações luminosas, que se conjugam à “superficie pictórica inicial” (vitrine). E o fazem à maneira da poesia, sugerindo-nos lugares e direções; articulando espaço e tempo, qual a luz, na sensibilidade de si mesma.

negra<luz>branca atenta-nos à íntima lembrança que não pode ser esquecida: na clausura, toda fresta é ar, respiro, luz…