O desenho como potência
Vanda Madureira, 2014
Não é sem lembrar das linee de Manzoni que percebemos o rolo de papel. Um cilindro, de pé, onde um desenho nos é indicado pelo título. Desenho como potência, arte intensificada, compressão.
O desenho enrolado sobre si mesmo precisou, antes, estar aberto sobre a parede. Em uma vetorização da atenção pode-se pensar que passou de circunspecto a introspectivo. Porém esta asserção apoia-se demasiadamente sobre o olhar, o que torna necessário lembrar que, em um primeiro momento, o papel foi mais disposto ao tato do que à visão quando esteve fixado à parede. Ainda que o desenrolar implique exposição, a prioridade neste contexto era o contato. O que se expunha era apenas uma contra-face cega – e que também nos negava à visão o que cobria. A face, também cega, voltava-se à parede sem guardar distância, sem reservas. Potência e receptividade. Embora sua extensão e superfície se apresentassem ao ambiente, o espaço era marginal, portanto pouco visitado e percebido, resultando em um tipo de contradição desta exposição. Uma escada, uma passagem bloqueada. Espaço enorme, mas residual. A face do papel é enorme também, mas não residual, porque não é sobra, nem vestígio, apesar de tender a ele, de tatear (ou ser tateada) nesta recolha aí onde predomina a precipitação da poeira e o avanço da umidade.
Um papel dormido em uma parede roída pelo tempo em um desenho que agora enrola-se. Agora, pode-se dizer, é introspectivo mesmo, pois tudo o que ele tem de inteligível é alcançado pela imagem que pode-se fazer dele. Se ele não foi um desenho circunspecto, que “olhava à volta”, certamente é um desenho que “olha para si mesmo”. E pode olhar-se porque abriga imagem. Seu anterior estado de receptividade paciente contrasta com a atual força centrípeta que chama seu passado para fazê-lo imagem. Nesta tendência ao interior o tato também segue atuando: face e contra-face encontram-se e sobrepõe-se. O tateio de si mesmo verte frente e verso em dentro e fora. A tactilidade em um circuito fechado que forma o receptáculo para estas imagens inteligíveis, uma nova receptividade. Uma estrutura que também é câmara na qual ressoa uma gravação (também não-visual, desta vez sonora), ruído que vaza a confirmar o mistério que confina a si mesmo, que se acrescenta. Onde há estrutura há ruína. Um desenho ruído.
Diego Rayck