O MELHOR MUNDO POSSÍVEL
Gustavo Sumpta, 2007
Directo ao Assunto para nos Surpreender
Neste trabalho, como em muitos outros[1] de Sumpta, o espectador cedo percebe a acção que irá acontecer e como ela se irá desenvolver daí em diante. É quase sempre um gesto que se repete ao longo do tempo que Sumpta nos dá a ver.
Julgo seguramente que isto acontece para uma maioria de espectadores e sem equívocos, porque assim o é a natureza das suas narrativas,[2] e, embora, encontremos nos seus trabalhos um segundo momento, uma segunda acção, quase sempre abrupta [se assim o poderei dizer] que desconstrói, que desmonta a primeira; a impressão que guardo, que trago comigo, é a desses primeiros momentos.
Em O melhor mundo Possível, ocorrem igualmente esses dois momentos (é também isto que acontece,) um desenho que se realiza e constrói diante de nós, no chão. São linhas que surgem após outra, sempre diferente e com uma nova peripécia para contar. Este gesto, repete-se à exaustão, à saturação do desenho, desenho que desencadeia, por sua vez, acontecimentos, que surgem, aqui, no desenrolar de rolos de papel higiénico.
Que gestos simples e acontecimentos mínimos são estes, que Sumpta nos dá a ver?
Tudo parece ter origem no quotidiano… Uma observação, uma constatação de algo que se passou, que sucedeu e que para Sumpta, só por si, é mais do que suficiente. São estes acontecimentos que Sumpta transporta para as suas obras e os trabalha até a exaustão. Por vezes, tenho a impressão que tudo se resume a simplificar uma coisa que, na sua origem, já o é.
Daí que não seja de todo surpreendente que Gustavo Sumpta ofereça sempre uma enorme resistência a qualquer tipo de interpretação do seu trabalho que vá para além do campo exclusivo dos gestos e dos movimentos, das causas e dos efeitos que cada trabalho seu produz.
Tenho tido a oportunidade de acompanhar todo o seu percurso e sobretudo de partilhar desde o primeiro momento o seu processo criativo. Por regra tudo começa por uma observação ou uma constatação muito simples que Sumpta gosta de partilhar, coisas como (e cito de memória): “O rolo de papel cai-me das mãos de tanto frio que estava, (-) formou uma linha no chão da sala, (-) fui logo a correr, comprar mais.” Noutra ocasião comentou: “sempre que olho para a televisão, vejo fulanos com as mãos no ar.” Tratava-se, segundo consegui apurar mais tarde, da invasão do Afeganistão, quer os prisioneiros de guerra, quer o exército vitorioso apareciam assim na televisão, de mãos no ar.
Existe no seu trabalho, um fazer, que exige um tempo, uma velocidade e é a natureza de cada um desses gestos, de cada uma dessas tarefas que realiza, que diz o tempo, o espaço, o limite de cada trabalho. Um tempo, onde coisas banais, gestos simples e repetitivos se inscrevem no espaço, uma velocidade que já não é a nossa, e não o é, porque a estranhamos e nos lembra por vezes a nossa respiração. É talvez neste alimentar da tensão através do tempo, que se encontra o melhor mundo possível de que nos fala Gustavo Sumpta!
[1] Por exemplo, Tábua S/ título 2006; A dúvida está a desaparecer do mundo, matamo-la como matamos os homens que duvidam, é mais seguro assim – 2005; Bala Expressão de contentamento – 2003; A grande desforra -2002,
[2] Parece-me não ser de todo despropositado utilizar este termo para caracterizar o trabalho de Sumpta, porque existe no seu trabalho uma ideia de sequência, por vezes os próprios acontecimentos (-) efeitos são só por si o acontecimento que têm sempre um carácter narrativo.
Eduardo Matos