SEM TÍTULO (Homenagem a Mondrian)
Fernando Ribeiro, 2001
Sem Título (Homenagem a Mondrian), 2001, foi executada num edifício industrial que havia já cessado as suas actividades aquando da produção de deste projecto, tendo sido realizado na fábrica de tecidos Fimai, na Maia. O paradigma espacial modernista no domínio das artes plásticas imiscui-se na dinâmica temporal de circulação dos corpos. Uma reprodução de um Mondrian é seleccionada e colocada no espaço expositivo, mas de modo a sugerir que foi ampliada a partir do centro do chão, sendo então ampliada até às quatro paredes e subindo-as até atingir a altura que um português de estatura média atinge quando salta, de modo a defender os rectângulos, agora erigidos como balizas de futebol, improvisadas pelos visitantes-jogadores. Consoante o chão – onde foram espalhadas seis bolas de futebol – vai sendo pisado, a tinta vai gradualmente perdendo a sua consistência e até desaparecendo, na sequência dos repetidos avanços compulsivos sobre os alvos. Entregue aos desígnios de um corpo colocado ao serviço da vontade, o Mondrian dilui a sua componente ontológica para albergar massas humanas que o utilizam como contentor de uma comunidade rigorosamente efémera.
A passagem do domínio ascético ao animal tem como intermediária a conversão de um Mondrian num padrão decorativo, sendo por este excesso de proximidade que o visual adquire um cariz táctil e, subsequentemente, se coaduna com os impulsos humanos primordiais, isto é, com a projecção numa presença – utópico – estritamente individual. Não obstante, o termo “Homenagem” inscrito no título inclui desde logo a consideração de uma confluência entre os campos animal e espiritual: assim como os planos cromáticos e a grelha que os sustentam são colocados sobre o vazio da pura Luz, branca, também os jogadores projectam o prolongamento dos seus egos – a bola – sobre os rectângulos brancos. O campo ascético torna-se uma arena onde o corpo se constitui como veículo de fixação numa apoteose narcísica, instantânea e, como tal, repetida ad eternum. Se se trata de uma estratégia que inverte a pureza da grelha, encontra-se já patente na assimetria de Mondrian, que força a uma alternância incessante entre uma deambulação do olhar e o retorno à inércia solene da luz branca.
Fernando Ribeiro