ORG110
Caio Marcolini, 2020
Tramar: ORG110
O trabalho artístico de Caio Marcolini se confunde com seu ofício e formação em ourivesaria e desenho industrial. É possível imaginar as contradições e particularidades entre tais campos, e o artista é frequentemente confrontado por elas. A partir de suas lógicas distintas de pensamento e produção, o que faz é justamente confundir fronteiras, ao deslocar seu construto entre esses espaços discursivos.
Pensar o fazer escultórico na contemporaneidade é resgatar um ofício que remonta à própria História da arte, para então, atualizá-lo. Existe, portanto, uma clara herança da tradição da escultura que Marcolini exercita em sua prática artística. Ali investiga o material, testa e desenvolve técnicas e novas ferramentas, adaptando o conhecimento adquirido sobre o universo da escultura, do desenho e da artesania para suas próprias necessidades.
Sua prática é nutrida e se nutre pelo gesto do movimento. A ideia se move à feitura do objeto, uma trama maleável de infinitos elos que desliza pelo tear criado especialmente pelo artista. Ali toma forma, se reconstrói, tanto quanto permita o ensejo de seu criador. Há nessa busca construtiva um embate direto entre artista e matéria, é de t anto observá-la que pode finalmente tensionar e expandir, mudar de direção.
Como é o caso de ORG110 , é interessante notar como o artista entende cada peça dessa série de forma autônoma, mas igualmente pertencente a um con junto maior que denomina colônia. Assim, tais organismos, que possuem características que podem remeter à constituição celular, se alastram, se reorganizam, em um pulsar contínuo que é o da própria vida.
O papel do artista não é o de criar situações ou objetos para solucionar os problemas do mundo, mas viver imbricado nessa tensão entre desejo e realidade, respondendo com suas próprias ferramentas às inquietudes do que o rodeia. Por ser frequentemente questionado em se posicionar entre as artes e a ourivesaria, a prática de Caio também é permeada pelo desafio da escolha por onde circular com seus trabalhos. Como é o caso de outros criadores, é preciso lutar pela autonomia do fazer artístico, por uma forma de pensar e agir fluida, manter vivo “ o elemento do não-saber que nos deslumbra toda vez que pousamos nosso olhar sobre uma imagem da arte ”, como nos esclarece Didi-Huberman (2013a, p. 15) 1.
Assim, pode o artista se deslocar entre diversas funções e labores, pouco importa a razão, uma vez que falamos de demandas pessoais e individuais. De forma totalmente diferente, é preciso pensar no deslocamento do trabalho em si. Cada vez que se infiltram em novos contextos, as colônias de Caio assumem conotações também sempre mutantes. É assim que confundem os olhos distraídos em meio à urbe, quando passeiam pela cidade escalando muros e grades, ou ainda quando flutuam pelo espaço expositivo, escorrendo pelas paredes e vestindo corpos, contaminando e sendo contaminadas por seus receptáculos e espectadores.
Clara Sampaio
1 DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da imagem. São Paulo: Editora 34, 2013
“Processo de construção de ORG110 e outros trabalhos, 2020, cortesia do artista Caio Marcolini”